sábado, 29 de setembro de 2012

MEMÓRIA EM CORES VIVAS

     É realmente impressionante os mistérios que permeiam o funcionamento do nosso cérebro, ou melhor seria dizer a potencialidade, embora ainda explorada de forma superficial, que nosso raciocínio e intelecto possui e a maneira como o utilizamos, mesmo sem que sua capacidade não seja exercida plenamente.
     Uma das coisas que sempre me intrigou, é a MEMÓRIA.
     Hoje, prestes a completar meus 50 anos de existência, esta, regada com exageros e incontáveis desvarios, sinto-me privilegiado por lembrar de tantas coisas desde a mais tenra infância, de maneira tão clara e precisa. É certo que muitas vezes, tais lembranças venham acompanhadas de uma ponta de nostalgia, pois é incontestável que o passado, mesmo quando nos causaram alguma dor e tristeza, faz parte da essência em que fomos moldados enquanto pessoas, permanecendo vivo e latente dentro de nós. E como ninguém e nada possui o poder de regredir no tempo e fazer-nos revive-lo resta-nos lembrá-lo com incontestável saudosismo.
     Muitas são a pessoas com quem me relaciono, que em conversas sobre determinadas épocas, cenas, fatos ou amigos em comum, não conseguem se lembrar de alguns desses fatos ou não tem a mesma precisão ao lembrá-los como eu, e aí as vejo encarar seus lapsos de memória com certo pesar, o que faz com que eu me sinta abençoado e grato pelo privilégio de este não ser o meu caso.
     Sem muito esforço, remeto-me aos anos 60 e 70 com memórias pinceladas em ''cores vivas'' e vejo-me diante da televisão, ainda em preto e branco, da antiga casa dos meus pais assistindo ao primeiro homem pisando na lua ou à primeira transmissão a cores na televisão da casa dos meus avós, da compra da minha primeira berlineta dobrável verde, dos móveis, do meu primeiro skate ''Torlay'', ainda com suas rodas pretas ou mesmo de uma Rua Augusta toda acarpetada onde uma juventude transpirava sua rebeldia de maneira plena e às vezes um tanto atrapalhada. Em tons de azul, verde, amarelo e branco torcendo com toda a familia reunida pela seleção canarinho até a conquista do seu tricampeonato e as transformações que passaram os cidadãos e o País desde então até o final de um governo militar ditatorial e as tentativas de que um novo rumo fosse tomado à sonhada democracia. Poetas, escritores, músicos e artistas em geral sendo exilados e posteriormente retornando com histótrias e experiências que nos faziam refletir e sonhar.
     Passo pelos 80 e 90, cujas cores já não estavam tão vibrantes, e lembro-me da rebeldia começando a abrir mão da inocência e do sonho floral, dando lugar a expressões de revolta e assumindo uma postura mais agressiva, desfilando com suas roupas pretas enfeitadas com tachas e alfinetes e com seus cabelos espetados; abrindo caminho à proxima parada que começava a cultuar o individualismo um tanto egoísta onde se buscava conquistar uma posição de "status" a qualquer custo, transformando a felicidade em algo passageiro e superficial, onde a popularidade era momentânea e paramentada com roupas de grife, carros do ano, baladas com seus círculos cada vez mais fechados e regadas com drogas que faziam com que o mundo tivesse uma velocidade maior e com que o relacionamento entre as pessoas ficassem cada vez mais superficial.
     Passo à memória mais recente e, nos anos seguintes, assisto à virada do século, com sua mescla de esperança e apocalípse, visualizada já quase sem cores, onde os conflitos são frequentes e globalizados, a intolerância e a violência já não batem à nossas portas, derrubam-nas e invadem nossas vidas com a maior facilidade e sem nenhum pudor.
     Dou uma parada e percebo que gostaria que mais pessoas conseguissem lembrar como eu do passado, com suas ''cores vivas'' e vibrantes e, graças às suas lembranças agradáveis registradas em suas memórias, pudessem ter uma fonte maior de histórias e mensagens florais de esperança para contar.

                 by  BETO VALLE

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